terça-feira, outubro 24

____E N T R E V I S T A___
------------

---
'Mea Culpa' rompe silêncio
___________
Trinta anos após ter cometido um dos crimes passionais de maior repercussão no país, Doca Street conta sua versão da tragédia. Depois de uma violenta discussão com Ângela Diniz, Doca assassina a "pantera de Minas" à queima-roupa, na véspera do Reveillon de 1976. Defendido por Evandro Lins e Silva, um dos destacados juristas brasileiros, foi inocentado no primeiro julgamento. Mas não teve a mesma sorte no segundo: foi condenado a 15 anos de prisão. Após cumprir a pena, foi colocado em liberdade pela Justiça, mas não pela sua consciência.

As anotações, feitas durante o tempo de prisão e reunidas em Mea Culpa, passam a limpo os dez anos mais tumultuados da vida de Doca Street – do primeiro trimestre de 1976, quando tem início seu caso com Ângela, a outubro de 1987. Segundo o autor, "para não enlouquecer, cheio de culpas e remorsos, comecei a escrever. Era fácil, punha no papel tudo o que passava na minha cabeça. Toda a dor, toda a angústia, todo o desespero que senti. Depois de algum tempo, cansado de escrever só sobre minha dor e de sentir pena de mim, comecei a escrever sobre o dia-a-dia do presídio". Na cadeia ou "universidade do mal", como ele define, conviveu de perto com os fundadores da facção criminosa Falange Vermelha.

Com "Mea Culpa", o leitor está "diante de uma história com todos os ingredientes de uma verdadeira novela policial: dinheiro, infidelidade, drogas, amor, ciúme e, ao final, o cadáver de uma mulher", observa o jornalista e escritor Fernando Morais nas orelhas do livro. "Embora o final já seja conhecido de todos, o leitor consome este livro como se devorasse um romance. Um romance que milhões de brasileiros acompanharam pela TV e pelas páginas policiais, e que agora é reconstruído por seu principal personagem numa obra surpreendente e reveladora. Doca Street, nunca mais voltou a Cabo Frio, cidade que ele considera "inesquecível" e onde guarda amigos, como o advogado Paulo Roberto Pereira, o Paulinho Badhú e o psiquiatra e ex-prefeito Ivo Saldanha, e também muitas lembranças: a Praia do Peró, as férias em Búzios com o irmão na década de 60 e a inexplicável empatia entre ele a população da cidade depois do crime.

Interpress - Três décadas depois, que lembranças tem de Cabo Frio ?
Doca Street - Cabo Frio... nunca poderei esquecê-la. Passei todos os tipos de emoções nessa cidade.

Interpress - Antes daquele ano de 76 o senhor já tinha vindo a cidade? Como conheceu? Qual o seu primeiro contato?
Doca - Freqüentei Cabo Frio e Búzios desde 1960. Meu irmão alugou por duas décadas a mesma casa na Armação dos Búzios.

Interpress - No livro o senhor revela a um amigo que gostaria de morar em Búzios. O que motivava essa paixão na época?
Doca - O lugar era muito bonito e eu acreditava em seu desenvolvimento.

Intepress - Cabo Frio, de alguma forma, se tornou uma cidade proibida para o senhor? O senhor nunca mais voltou?
Doca - Proibida? Não, de maneira alguma; só nunca mais voltei. Mas ainda conservo amigos na região.

Interpress - Existiam por aqui lugares de seu preferência, locais que gostava, particularmente, de ir, paisagens ou cartões-postais que ficaram na memória?
Doca - Na verdade o lugar de que sempre gostei foi a praia do Peró. Mas toda a Região dos Lagos é um cartão postal.

Intepress - Qual o local ideal hoje para suas férias?
Doca - Bom... passo alguns dias durante o ano na praia de Camburizinho, no litoral norte de São Paulo.

Interpress - Muitos personagens de "Mea Culpa" ainda estão na cidade, outros não estão mais entre nós. Waldemar Nogueira Machado, o advogado, morreu, assim como o hoteleiro, Eduardo Ca-valcanti, marido da Mary, mas Paulo Roberto Pereira, o Paulinho Badhu, é um importante criminalista da região, lançou um livro sobre erros judiciários e Ivo Saldanha, o psiquiatra, na década de 80, foi eleito prefeito da cidade de Cabo Frio. Durante as últimas décadas, o senhor manteve contato com alguns desses personagens? Que lembranças tem dessas pessoas?
Doca - Do dr. Waldemar, apesar de tê-lo conhecido pouco, lembro-me de sua postura discreta, de seus conselhos e de sua imensa bondade. Eduardo Calvalcanti fez tanto por meu pai e por mim que nem sei como escrever a respeito. E para concluir, Paulinho Badhu e Ivo Saldanha, considero, ainda , meus amigos. Pagar a ajuda deles na época é impossível.
Interpress - O caso Doca Street marcou uma mudança de postura do judiciário, que o seu segundo julgamento mostrou. De certa forma, hoje, o senhor acredita que foi uma espécie de "exemplo" ou "bode expiatório" da mudança, já que personagens de outros casos ficaram livres?
Doca - Sim, mas de qualquer forma acho que esta mudança foi benéfica.

Interpress - O apoio popular na época, inclusive da cidade, deixou o senhor surpreso. Hoje o senhor já consegue entender por que tanta gente o admirava, apesar da imprensa e da promotoria "pintarem" um monstro? Po quê a população exergava um outro Doca?
Doca - Havia, sem dúvida nenhuma, uma empatia inexplicável entre nós (o povo daí e eu).

Interpress - O livro é um documento importante de um período recente da História do Brasil mas movimentos feministas pregam na internet um "boicote" a obra. Como o senhor vê isso?
Doca - Estamos numa democracia, todos podem pregar o que quiser. É uma pena não lerem o livro, porque poderiam ter outro enfoque de toda a situação.

Interpress - O senhor diz que escreveu o livro por pressão dos seus filhos. O que eles acharam de "Mea Culpa"?
Doca - Gostaram.

Interpress - A crítica diz que uma pergunta ainda ficou sem resposta três décadas depois do caso. Se o crime não foi planejado, porque o senhor andava com uma pistola?
Doca - Na época, eu trabalhava e carregava valores (ações e Letras de câmbio). Daí a razão.

Interpress - Em trinta anos mudamos todos. Qual foi a maior mudança de Doca Street?
Doca - A maneira de olhar a vida com valores bem diferentes. Acho que naquela ocasião eu poderia ter prestado mais atenção em meu pais.

Interpress - O cinema teve uma versão para o caso - prepara outra com Débora Secco no papel de Ângela-. Vários escritores também escreveram a história - José Louzeiro - "Os Amores da Pantera", e até Fernando Gabeira. Alguma versão, no cinema ou na literatura chegou perto da realidade? O senhor assistiu ou leu alguma delas?
Doca - Só li o trecho que coube a mim, no livro de Fernando Gabeira. Evidentemente não gostei porque acho que ele não conhecia os fatos. Assim mesmo sigo admirando-o pelo político que se tornou.

Interpress - Como é o seu dia-a-dia hoje?

Doca - Trabalho em uma factoring e vivo para a família.

Interpress - Por que ficou tanto tempo em silêncio?
Doca - Não sei, mas nunca me conformei com as calúnias de que fui vítima. Na verdade, houve uma briga e um crime e disso escreveram pouco.

Interpress - O senhor declarou que pensa em Ângela todos os dias e que tem pesadelos, mas gostaria de saber se, aos 71 anos, Doca Street ainda guarda algum sonho?
Doca - Duvido que alguém tenha gravado a declaração de que tenho pesadelos. Penso em Ângela sempre e com muito pesar por tudo que aconteceu. Quanto aos sonhos, os tenho e quando os exponho muitos não acreditam. Se eles se realizarem, conversaremos.